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Depoimento de jornalista e fã do U2 sobre o show “The Joshua Tree” em São Paulo


(Foto: Manuela Scarpa / Brazil News)

Ontem vi o segundo show do U2 da minha vida, no Estádio do Morumbi, em São Paulo. O que é muito estranho, porque eu sempre fui muito fã da banda irlandesa e frequento muitos shows. Inconscientemente, talvez tenha desviado de outras apresentações deles (até ontem) porque a primeira, dia 27 de janeiro de 1998, no Rio de Janeiro, foi muito marcante. Bono (voz), The Edge (guitargod), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr (bateria) estavam divulgando o álbum “Pop”, de 1997, numa turnê que fez história ao abraçar e ao mesmo tempo criticar os exageros dos anos 90, período marcado pela ascensão da cultura da celebridade, consumismo e música eletrônica.

O palco gigantesco trazia um arco que emulava o M da lanchonete McDonald´s e a banda saía de dentro de um globo espelhado de discoteca antes de uma música, com seus integrantes vestidos de Village People. Tudo era exagerado e fazia sentido. Era o primeiro show do U2 do Brasil e a performance do quarteto foi impecável. “Para que ver outro show deles e arriscar prejudicar uma memória tão boa?”_Meu inconsciente pode ter elucubrado. Levei 19 anos para tomar coragem e não me arrependi: o show de ontem foi melhor do que o de 1998.

E a proposta de Bono e cia desta vez era completamente diferente da turnê “Popmart”, do final dos anos 90, diametralmente oposta na verdade. Em vez de continuar fazendo shows cada vez mais espalhafatosos (caminho optado por muitas bandas), o U2 decidiu revisitar um de seus discos mais famosos, The Joshua Tree, lançado há exatos 30 anos e que fincou o grupo de vez no panteão dos grandes do rock. Sem cenários mirabolantes, com foco total na execução de um álbum que não deveria parecer atual, mas infelizmente soa assim.

Depois de uma boa apresentação de Noel Gallagher, que mesclou hits do Oasis como “Champagne supernova” e “Wonderwall”, com músicas do seu projeto atual, High Flying Birds, o U2 surgiu com a canção provavelmente mais executada do seu catálogo no mundo, “Sundaybloodysunday”. É o tipo de música que pode perder sua força com o tempo devido ao excesso, de tanto que ouvimos nos ambientes mais variados, no taxi, no trabalho, em festas. Que nada! A reação da plateia foi um misto de desnorteamento com êxtase . Sim, o U2 estava ali tocando aquelas músicas que marcaram (profundamente) todo o mundo e, sim, eles estavam abrindo o show com uma canção que poderia bem estar fechando a apresentação.

 

  O impacto dessa primeira música deixou claro, claríssimo para mim a genialidade de terem escolhido esse álbum para revisitar agora. The Joshua Tree é tristemente atual, seja no Brasil ou fora dele. É um disco gravado em período de conflitos graves, que refletia um desejo de conciliar um mundo que estava querendo guerra. Um mundo como o atual. Para reforçar a mensagem do disco, a banda fez a primeira parte do show com o telão desligado. Telão que é o único elemento cênico da apresentação, além de uma escultura de uma árvore que atravessa parte dele e acende mais para frente. “Prestem atenção no que estamos dizendo”, parece quererem dizer. O grupo está afiado como nunca, parece que poderiam estar tocado cada um em um planeta diferente do outro que ainda assim não haveria descompasso. O show se divide em três “atos”. A primeira parte seguiu com hits como “New Year´s day”, “Bad”, “Pride”, “Where the streets have no name” e “I still haven´t found what I´m looking for”, logo acompanhadas de belíssimas imagens p&b no telão, emulando os belos clipes do grupo nos anos 80. Para acabar de vez com os corações dos fãs, tomados de nostalgia (eu incluído), Bono emendou “Heroes”, de David Bowie, depois de “Bad”, e o Morumbi acompanhou com um mar de isqueiros e luzes de celular. Citou os “heróis” Elis Regina, Renato Russo e Cazuza. O segundo ato pegou os fãs até então eufóricos pelo colarinho (no caso, pelas camisetas pretas com logo da banda) e os mergulhou numa atmosfera mais introspectiva, tocando o lado B do disco, com faixas como “Exit” e “Mothers of disappeared”.  A ausência de hits não afetou o transe coletivo, tamanha a comunhão entre banda e fãs. O terceiro e último ato, catártico, trouxe o grupo mais para perto do presente, com sucessos como “Beautiful day”, “One” e “Vertigo”, com sonoridade mais atual, mas que não destoam do conjunto. Um espetáculo onde a nostalgia não tem cheiro de mofo e sim de alguma esperança em tempos tão cinzas. De alma lavada, já estou pronto para o próximo show, Bono.  

Por Bruno Porto

*Bruno Porto foi jornalista de música de O Globo por dez anos e hoje é publisher de livros da Companhia das Letras.


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