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Ana Carolina, a tour portuguesa de ‘Grandes Sucessos’ e o poema de José Luís Peixoto que finalmente existe


É de fato verdade que alguns sentimentos, melhor dizendo, sensações, não são denomináveis por palavras – códigos linguísticos não foram convencionados para denominá-los -. Clarice Lispector chamaria de it, uma espécie de superação da linguagem: a coisa nomeada transcende o próprio nome e existe sendo o que nomeia, sem transposições. Paixão é paixão, amor é amor, saudade é saudade. Paixão, amor e saudade apenas são. Se são, outra coisa também passa a ser o que somente é: orgulho. É, então, com orgulho, alegria e emoção que descrevo, choro e vivo à distância a etapa portuguesa desta turnê “Grandes sucessos”, concluída ontem (18) com a apresentação no Coliseu do Porto.

A passagem por Portugal é feita sempre com muito entusiasmo, porque fora a alegria de entrar em contato com a comunidade brasileira, ou mesmo portuguesa, lá residente, o temporário afastamento da zona Rio-São Paulo e adjacências consegue, sim, dimensionar o alcance da música e agora da palavra (escrita) de Ana Carolina pelo mundo. O termômetro já esquentou em Serpa (9), a primeira parada: show em praça pública, completamente lotado, e uma audiência que esteve uníssona em cada canção. E o sorriso largo de Ana no rosto? E a quase espreguiçada em pleno palco, como se em casa este encontro fosse? Não têm preço. Ter vibrado assim não tem preço. Não teve. Nunca terá. A live de Leticia Lima (Lê, obrigada demais!) trouxe tudo isso aí para perto, perto até demais, do coração, e o nosso (sim, não errei, não) nervosismo ante outra reestreia em terras lusas se dissipou tão logo a música se espraiou completamente por aquela praça.

Três dias depois, dia 12 de junho, o lançamento de “Ruído branco” na FNAC Chiado. Socorro! Não sabia onde colocar a vontade de estar lá e assistir à mesa com José Luís Peixoto comentando/apresentando o livro. Outra vez, a live de Leticia ajudou a aplacar um pouco o desejo louco de teletransporte interatlântico, assim como as imagens e vídeos de Diana Costa, Milena Domiciano e Vânia Silva (via grupo WhatsApp da Comunidade Ana Carolina) nos deram aqui matéria para continuar sonhando o que já era a concretização de um sonho – e este aí não era segredo. O ponto alto da noite foi, sem dúvida, a leitura do poema de Zé Luís (a íntima já) escrito em homenagem a Ana. Para quem não tinha um poema do autor dedicado a si – só para usar uma construção própria do português lusitano -, agora têm registrados o encontro e a admiração mútua de poeta para poeta, um então imerso no silêncio da própria voz e a outra ruidada apenas pelo barulho da palavra-grito em forma de canção. O poema enfim existe, e existe agora, neste tempo. Ainda bem que tiveram a coragem de escrevê-lo. Que sorte poder conviver, com eles, neste tempo. E vem CD novo por aí (escrevi e saí correndo)!

Ai, respira! Tem mais shows pela frente, e em maratona ainda por cima. Fôlego, choro e emoção recuperados, seguimos para Viana do Castelo (14). A alegria da recepção em Serpa (9) foi tão grande, que me esqueci de citar algumas modificações/acréscimos no setlist já ouvido do mesmo show pela banda de cá, vulgo do Brasil (sem a voz do Galvão Bueno). “O que é, o que é?” (Gonzaguinha) ganhou mais uma vez a voz de Ana. Caí da cadeira. Pausa: esta redatora, particularmente, guarda uma relação especial com o compositor desta canção, porque minha mãe e eu só guardamos nossa relação quase destruída certa vez pelo amor à obra de Gonzaguinha. Logo, qual seja o Gonzaguinha cantado, Thainá chora como uma bebê. Thainá viveu de amor em ouvir novamente Gonzaguinha na voz de Ana Carolina. E é isso. Fim da pausa. “O que é que há?” (Fábio Jr. e Sérgio Sá) reapareceu naquela interpretação estonteante que já conhecemos, e “Cabide” (Ana Carolina), ah, “Cabide” me vem com Ana ao violão e Léo Reis no pandeiro (voltem já para os brasas verem isso, gente!). O melhor estava por vir. Viana do Castelo coincidiu com o aniversário de Leticia seu amor Lima, e a surpresa feita naquele dia mais cedo pelo Instagram repetiu-se. A leitura de “Pra ela 2”, texto escrito na ocasião, seguido de “Parabéns a você” em meio ao show, fez deste não apenas o melhor aniversário da vida, segundo a própria declarou, como tornou o 14 de junho outro dia de celebração do amor para todas/todos nós. Chora de novo e respira.

Tivemos Águeda (15) e Lisboa (16), no Coliseu dos Recreios. Sobre este coliseu, vale dizer: what a lugar lindo! Lotado, então, era a visão do paraíso! Era o paraíso! Outra vez, os belíssimos registros de Diana Costa, Lucie Bednarova e Milena Domiciano via WhatsApp C@C trouxeram a alegria da realização de outro concerto, e a felicidade no rosto de Ana, para ainda mais próximo dos corações deixados no outro lado do rio chamado Atlântico, mas não menos emocionados. Um ponto alto da noite foi, sem dúvida, a récita de “Para Ana Carolina”, poema de José Luís Peixoto enfim escrito em seu nome e, uma vez entregue, agora, o lugar dele – de suas “sílabas no ar” – é no mundo. Aliás, todas/todos aqui já aguardam ansiosamente ouvi-lo no retorno de “Grandes sucessos” ao nosso (?) Brasil. Santarém (17) trouxe de novo a ideia de praça lotada e, em uma só voz, “É isso aí” (só eu vi três vezes distintos deste momento lindo!) certamente arrancou lágrimas de felicidade, tamanha era a força de seu entoar por praticamente todas/todos presentes. Porto (18) aconteceu horas após um incêndio florestal que vitimou 62 pessoas e deixou outras 59 feridas no município de Pedrógão Grande (Leiria), e talvez por isso mesmo, embalou o luto das/dos presentes pela tragédia. Com o Coliseu lotado, som impecável e as imagens cedidas por Diana Costa e Milena Domiciano (via C@C), a noite de domingo aqui no Brasil encerrou-se para muitas/muitos como geralmente a semana se inicia: ao som da voz encontrada por José Luís Peixoto nos jardins perdidos de suas palavras.

A tour portuguesa chegou ao fim, e a brasileira ganhou um revigorado (re)começo. Se a desesperança gerada pela atual conjuntura do sistema político brasileiro pôde abalar minimamente a certeza no papel da arte enquanto elemento subversor e transformador de realidades, ou normalidades, “Grandes sucessos”, Ana Carolina e a paragem atlântica de “Ruído branco” deram alento a outra – e nova – resistência. As marés muito altas do ódio babaca, atrasado do preconceito e os lucros omissos agora para lá de escancarados da canalha golpista hipócrita encontraram o poema outrora perdido em um silêncio transparente e com as sílabas já esculpidas no ar: A-na Ca-ro-li-na. Não importa o que aconteça, seremos sempre capazes de escrevê-lo nos olhos, na pele, com o grito e no coração. Afinal, o poema existe. O sentimento existe para além da linguagem e da palavra. O sentimento é. It. Entregaremos o poema reescrito e cheio de vida, de cada vida tocada pelo som deste ruído de Ana. Existimos neste tempo. Estaremos aqui. Dizemos sim.

Um pós-escrito especial e necessário. Para quem ainda não viu, ou já viu e quer ler de novo, segue o poema transcrito de José Luís Peixoto agora dedicado a Ana, de nome ‘Para Ana Carolina’:

“Este poema não existe. Sempre que o quis escrever acabei por me perder em jardins.
Estas palavras fugiam à minha frente, via-as ao longe e quando chegava lá elas já estavam noutro lado, mais distante e inalcançável. Estas palavras eram o horizonte.
Eu analisava o silêncio, sem elas. Imaginava formas nesse silêncio transparente, esculpia sílabas no ar: A-na Ca-ro-li-na. Desfolhava sílabas como pétalas.Mas essa ilusão desfazia-se num sopro.
Eu estava na minha vida e tu estavas na tua. Eu estava no meu silêncio e tu estavas no teu. Eu estava nas minhas palavras e tu estavas na tua voz. Então acreditei que, como este poema, Ana Carolina não existia.
Talvez fosse apenas uma miragem, um verso que pode ser escrito, uma metáfora para falar da Lua ou de uma possibilidade que nunca se chegou a viver. Mas depois olhei para o lado e estavas aqui, com todas as sílabas: A-na Ca-ro-li-na. Entreguei-te este poema.
Afinal, existes.
Afinal, o poema existe.
Existimos neste tempo.
Fomos capazes de escrevê-lo.”

Mais sobre a autora  desta resenha: Querendo acessar outros textos em que discuto a obra de Ana Carolina ou ainda artistas diversas/os da MPB, por favor, seria um prazer recebê-las/os no www.musicartediversao.com (Facebook: https://www.facebook.com/musicartediversao/).

Por Thainá Seriz da Comunidade Ana Carolina


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